A importância do dimensionamento robusto das quantidades a serem contratadas
- Cristiano Jorge Poubel de Castro

- 12 de out.
- 7 min de leitura

Introdução
O adequado dimensionamento da demanda nas contratações públicas constitui etapa fundamental para a eficiência, a economicidade e a conformidade legal dos processos licitatórios.
Trata-se de um exercício técnico e gerencial que visa diagnosticar, com razoável segurança, os materiais, bens ou serviços que serão efetivamente demandados durante o exercício contratual.
A importância dessa prática é reconhecida pela Lei nº 14.133/2021 — a nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos —, pela Instrução Normativa SGD/ME nº 94/2022, que disciplina o planejamento das contratações de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) na Administração Pública Federal, e também pelo Instrumento de Padronização de Produtos e Contratações de Tecnologia da Informação e Comunicação (IPPCTIC), elaborado pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pela Controladoria-Geral da União (CGU), que reforça a necessidade de padronização e fundamentação técnica das demandas.
O Tribunal de Contas da União (TCU) também tem reiteradamente enfatizado que o planejamento inadequado, sobretudo em relação à estimativa de quantidades e especificações, constitui uma das principais causas de ineficiência e de riscos nas contratações públicas.
Fundamentos legais e jurídicos do dimensionamento da demanda
A Lei nº 14.133/2021, especialmente em seus artigos 12 e 18, determina que toda contratação pública deve estar precedida de planejamento que comprove a necessidade da contratação, as soluções disponíveis no mercado e a estimativa precisa dos quantitativos e custos envolvidos. O legislador buscou, com isso, reduzir a improvisação e a arbitrariedade na formulação de demandas, fortalecendo a transparência e a responsabilidade fiscal.
No âmbito das contratações de tecnologia da informação e comunicação, a IN SGD/ME nº 94/2022 reforça essa exigência ao estabelecer que o Estudo Técnico Preliminar (ETP) e o Termo de Referência (TR) devem evidenciar a metodologia utilizada para estimar as quantidades a serem contratadas, baseando-se em dados históricos, projeções de uso e informações obtidas junto às áreas demandantes.
Complementando esse arcabouço, o IPPCTIC, publicado pela Advocacia-Geral da União (AGU), introduz a importância da padronização e categorização de bens e serviços, o que favorece o levantamento de demandas mais precisas, consistentes e comparáveis entre órgãos públicos. Essa padronização facilita a interoperabilidade e reduz o risco de superdimensionamentos decorrentes de divergências conceituais entre unidades administrativas.
O IPPCTIC reforça que na estimativa dos quantitativos, precisa-se considerar a necessidade real do órgão ou entidade demandante, com os dados concretos e evidências objetivas; as técnicas e/ou métodos adequados para se apurar o quantitativo; levantamento das contratações anteriores, se houver; e demais informações técnicas que evidenciem a exata correlação entre a quantidade estimada e a necessidade administrativa identificada.
As orientações do TCU, por sua vez, reunidas no Manual de Licitações e Contratos – Orientações e Jurisprudência do TCU (5ª edição, 2024), destacam que o dimensionamento da demanda deve estar amparado por memória de cálculo, evidências documentais e justificativas técnicas que demonstrem a razoabilidade dos quantitativos estimados. Essa postura atende aos princípios da transparência, da motivação dos atos administrativos e da eficiência da gestão pública.
Segundo esse manual, pg. 318, a definição de método subjetivo ou falta de método para quantificar a demanda pode levar a divergências com o contratado sobre a quantidade demandada e executada, com assim ter como consequência pagamentos de valores indevidos, ausência de pagamentos devidos, atritos entre as partes, penalizações do contratado, paralisações do contrato, ou até mesmo a extinção unilateral do contrato pela Administração.
Impactos e riscos do dimensionamento inadequado da demanda em contratações públicas
O planejamento deficiente das quantidades pode comprometer não apenas a execução contratual, mas também a integridade do processo licitatório. O Guia de Boas Práticas em Contratação de Soluções de Tecnologia da Informação, publicado pelo TCU, e os princípios da Norma ISO 31000 – Gestão de Riscos, oferecem diretrizes valiosas para compreender e mitigar esses riscos.
Um dimensionamento impreciso pode gerar sobrepreços, quando as estimativas superam as necessidades reais, resultando em contratos com valores acima do necessário e em eventual ociosidade de recursos. Esse cenário, além de violar o princípio da economicidade, pode dar origem a indícios de sobrepreço ou superfaturamento. Por outro lado, o subdimensionamento da demanda também representa um risco grave, pois conduz à insuficiência de saldo contratual, à necessidade de aditivos emergenciais ou à fragmentação indevida de contratações, o que compromete a continuidade de serviços essenciais.
Outro impacto relevante ocorre quando a estimativa é formulada de modo a restringir a competição ou favorecer um determinado fornecedor, configurando direcionamento indevido da contratação. Nesse caso, a má definição da demanda deixa de ser uma falha técnica e passa a representar um risco ético e de integridade institucional.
A ISO 31000, ao propor a gestão estruturada de riscos, recomenda que a Administração identifique o contexto da contratação, avalie a probabilidade e o impacto de cada risco e adote medidas de tratamento compatíveis. Assim, o dimensionamento da demanda deve ser entendido como um processo de análise de risco contínuo, que envolve identificação de incertezas, registro das premissas e monitoramento constante entre o planejado e o executado.
Técnicas de dimensionamento da demanda
A aplicação de metodologias consolidadas em gestão e análise de processos é fundamental para garantir que o planejamento da demanda seja técnico, preciso e confiável.
O PMBOK (Project Management Body of Knowledge), desenvolvido pelo Project Management Institute (PMI), recomenda a utilização de análises históricas e técnicas de estimativa baseadas em dados concretos de consumo e execução, permitindo identificar padrões e tendências. Para aumentar a robustez da previsão, sugere-se a utilização de projeção por séries temporais, que considera variações sazonais ou cíclicas, e análise de cenário, que avalia diferentes hipóteses de demanda sob condições variadas. Além disso, técnicas como o Delphi, que consiste na consulta estruturada a especialistas, e a estimativa de três pontos, que pondera cenários otimista, pessimista e mais provável, contribuem para tornar a estimativa mais confiável, especialmente em contratações recorrentes, como fornecimentos de materiais ou serviços continuados.
O BABOK (Business Analysis Body of Knowledge), do International Institute of Business Analysis (IIBA), complementa essa abordagem ao enfatizar o mapeamento de processos de negócio, a identificação de stakeholders e a análise de requisitos para compreender o real volume e frequência das necessidades organizacionais. Ferramentas como a modelagem de processos permitem visualizar fluxos e identificar gargalos, enquanto workshops de elicitação ajudam a coletar informações detalhadas de usuários e áreas demandantes. Além disso, a análise de impacto avalia como mudanças nos processos podem afetar recursos e demanda, e a documentação de requisitos quantitativos garante rastreabilidade e precisão das estimativas.
O CBOK (Common Body of Knowledge), da Association of Business Process Management Professionals (ABPMP), acrescenta à metodologia a análise de capacidade e desempenho dos processos, oferecendo uma base objetiva e mensurável para estimativas. O mapeamento de capacidade avalia os limites máximos e mínimos de recursos disponíveis, enquanto a modelagem de indicadores de desempenho transforma dados de operação em métricas capazes de prever o consumo futuro. A simulação de processos permite testar diferentes cenários de demanda, e a análise de gargalos identifica restrições que podem impactar o volume de serviços ou bens contratados.
Por fim, a metodologia Six Sigma, voltada à melhoria contínua e à redução de variações, fornece ferramentas estatísticas e analíticas que permitem validar hipóteses, identificar desvios e calibrar estimativas com maior precisão. O ciclo DMAIC (Define, Measure, Analyze, Improve, Control) estrutura todo o processo de análise e melhoria, enquanto o controle estatístico de processo (SPC) monitora a variabilidade e a consistência dos dados históricos. Complementarmente, a regressão e correlação ajudam a identificar fatores que impactam a demanda, e a análise de capacidade do processo determina a real capacidade de atendimento frente às necessidades previstas.
Registro da memória de cálculo
A formalização da memória de cálculo é um dos elementos centrais para conferir transparência e auditabilidade ao dimensionamento da demanda. O Acórdão nº 980/2023 – Plenário do TCU propôs uma sistemática de registro que fortalece a governança e a rastreabilidade das estimativas.
Segundo o Tribunal, o registro deve conter a metodologia empregada, as premissas adotadas, as fontes de dados utilizadas, os cálculos realizados, os registros de validação interna e as evidências documentais que sustentam o raciocínio técnico. Além disso, é recomendável que a memória de cálculo seja arquivada em sistemas eletrônicos oficiais, possibilitando sua consulta, auditoria e reuso em ciclos de planejamento futuros.
A prática de registrar o raciocínio adotado não apenas atende às exigências legais, mas consolida a memória organizacional da Administração, permitindo que decisões futuras se apoiem em evidências acumuladas e reduzindo a dependência de conhecimento tácito. Quando estruturado de forma integrada ao IPPCTIC e às boas práticas de governança digital, esse registro reforça a consistência e a confiabilidade do processo decisório.
Conclusão
O dimensionamento robusto das quantidades a serem contratadas é muito mais que uma exigência formal: trata-se de um instrumento de governança, eficiência e integridade. Ao estimar de forma precisa o que será contratado, a Administração cumpre os princípios do planejamento prévio, da economicidade e da eficiência, previstos na Lei nº 14.133/2021, e fortalece sua capacidade de gerar valor público.
A aplicação de metodologias estruturadas, o registro transparente da memória de cálculo e a gestão sistemática de riscos formam um tripé essencial para assegurar contratações sustentáveis, auditáveis e alinhadas aos objetivos institucionais. Assim, o dimensionamento deixa de ser uma mera etapa procedimental e passa a representar uma boa prática de governança pública, que promove o uso responsável dos recursos e a credibilidade das contratações governamentais.
Referências bibliográficas
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